Por Francine De Lorenzo, São Paulo, em 18.07.2022

(Broadcast) – Enquanto o mundo discute se a economia americana entrou ou vai entrar em recessão, num momento em que a inflação registra o maior salto das últimas quatro décadas, os olhos de Andrew Reider, chefe de investimentos da WHG, focam mais à frente. Para ele, há, sim, uma desaceleração da economia americana no curto prazo – que pode até gerar uma recessão técnica -, mas que acabará se mostrando saudável. O perigo, em sua avaliação, está mais adiante, no médio prazo. Em entrevista ao Broadcast, Reider comenta como os juros altos por muito tempo nos EUA poderão resultar em uma crise de dívida de impacto global. E alguns sinais desse risco, segundo ele, já começam a ser percebidos, como a desvalorização do euro e do iene.

 “Olhando para o passado, quando o Fed aumenta juros, algum corpo sempre acaba boiando. Já vemos alguma coisa aqui e ali, no mundo de cripto e de venture capital. Há alguns estresses, como o aumento da diferença entre os juros da Alemanha e da Itália. Mas, por enquanto, estamos desinflando um mercado que estava muito caro e com muita liquidez. Se no médio prazo o juro continuar muito alto, aumentam as chances de algo balançar e acabar contaminando a economia”, diz, não descartando a possibilidade de os juros nos EUA baterem os 5% ao ano. Leia abaixo os principais trechos da entrevista.

Andrew Reider, CIO da WHG

Broadcast: Os últimos dados de inflação nos EUA deram uma embaralhada nas previsões do mercado e parecem ter alimentado os temores de recessão. Como você avalia o momento atual da economia americana?

Andrew Reider: O mercado está focado na desaceleração da economia americana e quer saber se isso significa recessão. Mas, ao mesmo tempo, os preços estão virando muito rápido (para baixo), o que pode sinalizar que já estamos no pico da inflação. Então, temos a questão do copo meio cheio ou meio vazio. O que estava acontecendo é que a economia estava superaquecida, com preços muito altos, mercado de trabalho apertado, falta de produtos como semicondutores, falta de estoque para varejistas, fretes altos.

Como havia muitos gargalos, as empresas começaram a encomendar o dobro para poder manter estoque. Ao mesmo tempo, teve a reabertura da economia da China e a demanda começou a desacelerar. Com os estoques muito altos, os preços começaram a virar rápido. Saíram os dados de inflação nos EUA na semana passada muito altos, mas os mercados não estão caindo tanto porque os investidores estão olhando pra frente e vendo que os preços já estão virando. As commodities estão caindo muito e os estoques do varejo estão muito altos, o que significa que as empresas terão que dar descontos altos. Olhando pra frente, a tendência é que os dados de inflação acalmem, mas têm alguns que são lentos, como aluguel. Salários ainda estão bastante fortes também. A dúvida é se o Federal Reserve vai elevar forte os juros justamente no momento em que a inflação está desacelerando.

Broadcast: O mercado vê uma possibilidade considerável – que já chegou inclusive a ser majoritária – de aumento de 1 ponto porcentual pelo Federal Reserve neste mês. Se isso acontecer, você avalia que seria um erro do banco central americano?

Reider: Os dirigentes do Fed estão sinalizando 0,75 ponto porcentual de alta nas suas últimas falas. Acima disso, seria contraproducente. Talvez eles coloquem que em setembro tenham que elevar em 1 ponto porcentual se a inflação não virar tão rápido. Antes de saírem os dados de inflação na semana passada, o mercado estava precificando 0,50 ponto porcentual de alta na reunião de setembro do Fed. O que me parece mais provável agora é que fiquemos com 0,75 ponto porcentual em julho e mais 0,75 ponto porcentual em setembro.

Broadcast: E você avalia que essas altas seriam adequadas para que a economia americana tivesse o tal “pouso suave” que o Federal Reserve vem buscando?

Reider: Acho que a grande dúvida é mais quanto tempo o Fed terá que aumentar juros e por quanto tempo ele deixará neste nível alto. Ainda está cedo demais para termos uma convicção a respeito disso. Mas acho que 0,75 ponto porcentual de alta nesta reunião e na próxima é a coisa certa a se fazer. Daí pra frente, creio que virão altas de 0,50 ponto porcentual. Parte do mercado está considerando que o Fed vai elevar juro a 3% ou 3,5% até o final do ano e comece a cortar um pouco em 2023. Talvez aí esteja o erro. Acho que o Fed não vai parar em nível tão baixo e talvez não consiga cortar juros no próximo ano. Ele vai continuar aumentando e talvez tenha que manter num nível mais alto por mais tempo.

Broadcast: Isso se traduziria em economia mais fraca, mas não em recessão?

Reider: Pode ter uma recessão técnica, mas não acreditamos que a economia vá desabar. O mercado está acostumado a olhar indicadores antecedentes e pensar “olha isso aconteceu no Lehman Brothers, isso aconteceu com a covid”. A economia americana está mais resiliente do que as pessoas imaginam e esse aumento de juros vai provocar uma desaceleração, mas em parte será saudável. Os EUA estavam superaquecidos. Nunca havia acontecido de se ter duas vagas de trabalho para cada pessoa disposta a trabalhar. Isso está fora do padrão histórico. A economia americana precisava desacelerar, mas não se deve confundir isso com uma crise profunda.

 

Broadcast: Quais riscos estão envolvidos em se manter juros altos por um longo tempo? Quanto a economia americana suporta? E qual seria esse topo de juros?

Reider: A preocupação é mais no médio prazo. Olhando para o passado, quando o Fed aumenta juros, algum corpo sempre acaba boiando. Já vemos alguma coisa aqui e ali, no mundo de cripto e de venture capital. Há alguns estresses, como o aumento da diferença entre os juros da Alemanha e da Itália. Mas, por enquanto, estamos desinflando um mercado que estava muito caro e com muita liquidez. Se no médio prazo o juro continuar muito alto, aumentam as chances de algo balançar e acabar contaminando a economia. É possível que o juro nos EUA chegue a 5% ao ano. 

Broadcast: Onde estão as pontas mais frágeis dessa estrutura?

Reider: As empresas de tecnologia que não geram lucro, o mundo de cripto e os países desenvolvidos da Europa e Japão, que se alavancaram muito na última década.

Broadcast: Podemos, então, estar gestando uma grande crise fiscal mundial?

Reider: Acho que o grande foco agora é a Itália, que é “too big to fail”. É um país muito alavancado que cresce pouco e tem problemas políticos. Se houver um problemão na Itália, vai afetar o euro. Países menores, como Grécia e Portugal, ainda se dá um jeito.

Broadcast: Tempos atrás a Espanha também estava na berlinda.

Reider: A Espanha está menos no radar hoje em dia. Ela fez várias reformas. Então, o foco está mesmo mais na Itália. 

Broadcast: Havendo uma crise séria de dívida na Itália, como isso poderia bater no resto do mundo?

Reider: Agora é especulação. Vejo duas formas: por moeda, com o dólar se fortalecendo ainda mais – o que enxuga liquidez no mundo – mas, o mais claro, na minha opinião, seria por juros. Os juros ultrabaixos longos nesses países é o que está ancorando os juros no mundo inteiro, principalmente dos Treasuries. Taxa de 3% para 10, 30 anos é um nível muito baixo. E um dos motivos para estar tão baixo é que o do Bund alemão está em 1,2% e recentemente estava abaixo disso. Se o mundo acordar para um novo paradigma, pode acontecer que essa diferença aumente muito. Se o Fed levar os juros para 5% ao ano, talvez o mercado ache que vai ter corte na curva por avaliar que a economia americana não vai aguentar. Mas se em países da Europa e no Japão a curva de juros começar a abrir mais, vai pressionar os Treasuries. Se tivermos 6% de juros ao ano em dólar, muitos investimentos no mundo deixarão de fazer sentido.

Broadcast: E isso seria o início de um ciclo vicioso? Reider: Exatamente.

Broadcast: Como sair disso?

Reider: Há várias discussões a respeito disso. No pós Lehman Brothers, falavam que tudo é artificial, os bancos centrais podem comprar a dívida. Mas é uma situação que nunca vimos antes, então é difícil prever como ela se materializaria. Em situações anteriores, não se tinha inflação tão alta. Com inflação alta, precisa aumentar juros. Agora, já não vivemos mais num mundo que comporta uma dívida de 200% do PIB.

 

Broadcast: O primeiro sinal de alerta seria juro muito alto por muito tempo nos EUA?

Reider: E a desvalorização de moedas que geralmente são porto-seguro, como o euro, que já está em paridade com o dólar e o iene, que já caiu 17% neste ano. É um sinal de que esta crise seria diferente das últimas que vivemos.