Por Tony Volpon, em 31.01.2022

(Broadcast) – Economia desacelerando, beirando a recessão; juros subindo com inflação teimando a ceder; eleição presidencial que – pelas pesquisas atuais – indicam a volta da esquerda ao poder a nível nacional… e uma das melhores bolsas do mundo!

Uma das melhores (e piores) características dos mercados financeiros é a capacidade de surpreender. E certamente a performance da nossa bolsa, subindo quase 10% no ano (levando também em conta a variação cambial), é bastante surpreendente. Como referencial, a americana S&P 500, uma das melhores bolsas do ano passado, caiu quase 10% no ano.

Eu confesso estar bastante surpreso. No final do ano passado, reconhecia que nossa bolsa estava bastante barata, operando com uma relação preço/lucro ao redor de 8, níveis piores do que durante a profunda recessão de 2014-2016. Mas o cenário prospectivo era nada animador, e assim, sem algum “gatilho”, alguma novidade positiva, poderíamos ficar “patinando” naqueles patamares sem forte tendência, tanto de alta, como de queda. Estava bem mais animado com o segundo semestre, onde minha expectativa de queda da inflação e minha crença de que o mercado eventualmente ia ver o resultado das eleições de outubro como algo positivo elevariam os mercados de risco. Do lado global, estando bastante preocupado com a questão da inflação internacional – mais especialmente nos EUA – via o inevitável movimento de aperto monetário pelo Fed como outro fator de preocupação para mercados emergentes.

Então, onde errei? Primeiro, na intensidade e efeitos da mudança de postura do Fed. Desde sua fala perante o Senado no final de novembro, Jay Powell tem adicionado novos elementos de aperto monetário. Primeiro indicou um fim mais rápido do QE (quantitative easing); depois apresentou a ideia de fazer o inverso do QE – o “quantitative tightening” – mais rápido do que esperado. E, na semana passada deu fortes indicações que haverá aperto de juros em todas as reuniões deste ano, começando em março.

Essa mudança de postura “por partes” ou é proposital, dando chance para o mercado se acostumar a nova estratégia do Fed, ou demonstra a instituição (como nosso Banco Central ao longo de 2021) continuamente “atrás da curva”, percebendo aos poucos que o problema inflacionário é muito pior do que eles estavam achando. Volto a esse ponto mais adiante.

A principal reação à nova postura do Fed não foi uma venda da classe renda variável como um todo, mas uma “rotação” de posições, com venda de ações mais sensíveis à alta de juros – o que inclui as ações do estilo “crescimento/growth” onde empresas de tecnologia se destacam e que tiveram valorização expressiva nesses últimos anos – e compra de ações do estilo “valor/value” – o que inclui muitas empresas de mercado emergentes.

Já que muito da alta recente das bolsas americanas no final do ano passado foi concentrado em uma parcela menor de empresas “big tech”, essa rotação dentro do mercado acionário acaba derrubando os índices. Vemos isso ao notar que o S&P 500, cujos pesos são calculados sobre o valor de mercado dos seus constituintes, caiu 9,8%, enquanto sua versão ponderada igualmente caiu 7,6%.

Uma das razões que o estrago não está sendo maior é que o investidor não tem vontade de alocar para a renda fixa, dado o aperto monetário em curso. A classe ainda tem rendimento negativo descontando a inflação, apesar da forte alta recente das taxas.

Então, os pobres do ano passado são os ricos deste ano, graças à realocação geográfica do investidor global. Enquanto o investidor local brasileiro vendeu R$ 94,1 bilhões nos últimos doze meses, o investidor estrangeiro comprou R$ 68,3 bilhões. O fluxo neste mês de janeiro deve superar R$ 20 bilhões, superando a marca de janeiro 2021, até então a melhor para o mês de janeiro. Também notamos que outras bolsas da região, como Chile, Peru, e Colômbia, estão operando com ganhos neste início de ano.

Isso vai durar? O pico da performance relativa do S&P 500 em relação ao Bovespa em dólares foi de 135% nos últimos 5 anos, com a maioria deste ganho ocorrendo durante o período da pandemia. Com a recente correção, essa diferença caiu para 105%, uma excelente performance em um período tão curto de tempo, mas que ainda mostra haver um espaço largo de ganho relativo possível para a bolsa brasileira.

Acredito que há três conjuntos de fatores que vão determinar se esse movimento deve continuar.

O primeiro é se, de fato, estamos vivendo uma mudança de regime inflacionário e de juros a nível global. Se o período pós-crise de 2008, de baixa inflação e baixíssimos juros estiver acabando – não por acaso um período em que as bolsas de países emergentes sofreram bastante, a atual rotação deve continuar, e devemos ver ao longo do tempo uma convergência de valorização relativa entre segmentos, privilegiando os “perdedores” da última década. Assim, a atual “rotação” não seria algo meramente pontual.

A segunda questão é o que o Fed vai acabar fazendo. Se a inflação americana realmente estiver fora de controle, em algum momento a resposta será de tal agressividade que o risco de uma recessão entrará no horizonte dos investidores. E, neste caso, enquanto a bolsa americana deve sofrer relativamente mais, não acredito que as de países emergentes vão conseguir manter um tendência de alta.

Finalmente, um horizonte de melhora local é necessário para sustentar a atual tendência de alta da bolsa brasileira. Os últimos dados de inflação têm mais uma vez surpreendido negativamente, mas eu ainda acredito que, passando o primeiro trimestre, entraremos em uma trajetória de queda dos índices de preços, e também de juros de mercado. E, enquanto eu esperava uma maior estabilidade com o provável resultado das eleições de outubro mais perto do pleito, por uma variedade de razões isso parece estar sendo antecipado, o que pode ajudar a sustentar a tendência de melhora dos nossos mercados de risco.