Por Tony Volpon, em 09.05.2022

(Broadcast) – Abril e, até agora, maio tem sido um dos piores períodos para os mercados de risco, desde a eclosão da pandemia. Podemos dizer, sem sombra de dúvida, que estamos em um bear market global. A conta dos excessos dos estímulos fiscais e monetários dos últimos anos chegou – a ressaca depois da festa está aqui.

A economia global está operando sobre vários choques distintos, e vale a pena passar pelo contexto de como chegamos aqui.

O Federal Reserve, junto com outros bancos centrais, passou boa parte do ano vendendo a ideia de que a alta da inflação era algo transitório. Com isso eles queriam dizer que a inflação era uma das consequências da pandemia e, assim com o fim efetivo da pandemia, devido à vacinação em massa, que a inflação também teria seu fim. Acabe com a causa, e o efeito desaparece. Nesse caso, não seria necessário acionar a política monetária.

Tal raciocínio ignorava completamente os efeitos da maior expansão fiscal desde a segunda guerra mundial, que foi diretamente financiada pelo Fed por meio da compra de títulos do Tesouro: uma execução, na prática, da “teoria monetária moderna” pelo mais importante banco central do mundo.

O mais peculiar é que o mercado acreditou nessa narrativa! As taxas das Treasuries de dois anos, que é uma boa estimativa da taxa média do fed funds para o período, estava em 0,2% em setembro do ano passado, isso com a inflação americana já rodando acima de 5% ao ano. Essa mesma taxa hoje está em 2,6%, dada a expectativa de um pico do fed funds ao redor de 3,5%.

Mas em novembro tudo mudou. O chair do Fed, Jay Powell, durante uma fala no Congresso admitiu que a inflação não era algo transitório, e que o Fed teria que subir a taxa de juros com certa urgência.

Em um primeiro momento as bolsas caíram, mas logo voltaram a subir com a noção de que o aperto a ser implementado seria leve e gradual. Assim, apesar do anúncio, o S&P 500 bate seu nível mais alto da história no início deste ano.

Outro efeito surpreendente dessa virada foi que os investidores finalmente perceberam que íamos viver em um mundo mais inflacionário por muito mais tempo, o que os fez procurar ativos que performam bem em um ambiente inflacionário – em primeiro lugar estão as commodities. Assim, no início deste ano, há uma forte entrada de dinheiro estrangeiro na Bovespa, que derruba o dólar do patamar de 5,70 para 4,60 em algumas semanas.

Depois do pivot inicial, Powell em sua comunicação com o mercado, volta a aumentar a pressão. Assim entramos em uma espiral na qual a quase cada oportunidade o Fed reprecificava as curvas de juros para acima. O mercado até que aguentou bem, e, em março, houve um forte rally em que boa parte das perdas do início do ano foram recuperadas.

Então, duas coisas quebraram a espinha dorsal do mercado em abril. A primeira: parecia que Fed estava colocando a possibilidade de aumentos de 0,75% por reunião na mesa. E a segunda: a China acabou fechando seu mais importante centro econômico, Xangai, devido a uma explosão de casos de Covid. Isso gera mais uma onda de pessimismo sobre o crescimento chinês.

Esses dois fatores juntos, na visão do mercado, acabam aumentando bastante o risco de uma recessão global, e se houver uma recessão global os ativos de risco terão que ser descontados mais pesadamente.

Então o que aconteceu nesta última reunião do Fed? E porque que os mercados inicialmente reagiram bem, para depois caírem fortemente?

Simplificando um pouco, a razão foi que Powell não surpreendeu o mercado. Mais uma vez, ele reprecificou a curva de juros, confirmando que devemos ver uma sequência de altas de 0,5% nas próximas reuniões, e afirmou de forma categórica que aumentar o fed funds em 0,75% não estava sendo discutido como possibilidade.

Com isso, Powell sinaliza que o período de precificação está encerrado. Agora o Fed vai executar o que já está precificado para depois reavaliar o estado da economia e, provavelmente, em setembro, sinalizar quais serão seus próximos passos. Mas, certamente, enquanto isso traz um alento ao mercado, a verdade é que esse plano de voo ainda é bastante agressivo, e que as chances de uma recessão têm aumentado substancialmente. Acredito que foi essa “realização” que, posteriormente, derrubou os mercados.

Logo depois da decisão do Fed, nosso BC subiu a taxa Selic em 1 ponto porcentual para 12,75% ao ano, e um comunicado simplificado indicou que o mais provável é a extensão do ciclo de alta com um ajuste de menor magnitude, o que implica, ao nosso ver, pelo menos mais um aumento de 0,5% na próxima reunião do Copom.

A linguagem do comunicado mostrou que, finalmente, o Banco Central reconhece que tem errado muito em suas projeções (assim como o mercado) e que a política monetária tem que ser conduzida de forma menos mecânica. Se for verdade, esse entendimento está correto, mas precisamos ver se o Banco Central realmente terá a coragem de se desprender de cada oscilação dos dados de curto prazo; até agora isso não tem sido o caso.

Assim, em resumo, podemos ver que os dois bancos estão “achando seus limites”. O Fed reconhecendo que o que está precificado pode não ser o suficiente para domar a inflação, mas que ainda assim deve ser executado com uma avaliação posterior: seria imprudente continuar no ciclo de reprecificação e aperto contínuo das condições financeiras. E o Banco Central reconhecendo que o nível de aperto monetário já é significativo, que seus modelos estão sofrendo com taxas de erros acima do normal (e que podem se manifestar em uma sobre estimação da inflação quando o ciclo virar). Em ambos os casos, as autoridades monetárias parecem sinalizar uma certa humildade. Isso é algo muito bom depois dos erros de diagnóstico e execução cometidos a partir de 2020 que, em parte, nos herdaram os níveis de inflação com qual estamos sofrendo hoje.