Por Tony Volpon, em 20.06.2022
(Broadcast) – Na última quarta-feira, 15 de junho, três bancos centrais realizaram reuniões – o ECB (sendo essa reunião uma surpresa), o Federal Reserve (Fed) e o nosso Banco Central, configurando o que alguns analistas chamaram de “super Wednesday”, ou a “super quarta”.
Cada um desses bancos está lidando com o mesmo problema: um agudo surto inflacionário que assola o mundo.
Mas, lembrando o famoso ditado de Tolstoy que “as famílias felizes são todas iguais, mas cada família infeliz é infeliz de forma diferente”, cada um desses bancos centrais tem seus próprios desafios para lidar com a inflação.
No caso do ECB, o desafio é a ameaça de uma “fragmentação” da zona do Euro, o que quase aconteceu na crise de 2011, até o famoso “whatever it takes” (custe o que custar) do então chefe da instituição, Mario Draghi – não por acaso, hoje o primeiro-ministro da Itália, a principal fonte de preocupações.
Com uma inflação bem abaixo de sua meta desde a crise de 2008, o ECB tem executado um cardápio de programas de compra de títulos e financiamento de bancos que acabaram reprimindo o spread entre títulos de países “periféricos” e altamente endividados (não obviamente que a Itália pode ser tratada como “periférica”, mas essa é a nomenclatura do mercado) e as economia centrais – Alemanha e França. Tal apoio tem vindo com nenhuma condicionalidade mais estrita, permitindo, no caso italiano, uma sequência de governos populistas que não fizeram nada para resolver os problemas estruturais do país (algo que Draghi está agora tentado fazer).
Com uma inflação na casa de 9%, e, incrivelmente, taxa de juros nominais negativas, o ECB decidiu finalmente agir para conter a inflação interrompendo sua última versão de QE, o que parcialmente desancorou o spread da Itália contra a Alemanha de mais ou menos 1% para algo mais perto de 2% (ainda bem menos que os 5% da crise de 2011).
O mercado foi surpreendido com a reunião extraordinária do ECB chamada pela atual mandatária, Christine Lagarde. Depois de não ter diretamente apresentado nenhum mecanismo para impedir uma alta exagerada dos spreads em sua última reunião, algo que foi visto como um sinal de, neste momento, querer privilegiar o combate contra a inflação, o mercado esperava algo do ECB somente se o spread atingisse níveis bem maiores.
O que acabou anunciado não foi grande coisa, mas ajudou o spread a fechar um pouco (apesar de os mercados de títulos europeus como um todo estarem apresentando altíssima volatilidade e abertura de taxas). Agora mais medidas são esperadas, mas permanece o grande desafio de como lidar com um profundo problema inflacionário em uma zona monetária ainda sem um arcabouço fiscal adequado e com grandes diferenças fiscais e de produtividade entre seus membros.
No caso do Federal Reserve, acabamos tendo uma sequência de eventos desde a divulgação na última sexta-feira de um índice inflacionário que desmentiu a tese de que a inflação já teria atingido seu “pico”. Isso, junto com uma pesquisa que mostra a desancoragem de expectativas dos consumidores, levou o chefe do Fed, Jerome Powell, a tomar o expediente pouco utilizado de, na segunda-feira, “vazar” ao Wall Street Journal que um aumento de 0,75% seria “considerado” na reunião de quarta-feira.
Depois de sofrer fortes quedas, os mercados até recuperam parte das perdas na esperança de que, com esse movimento, o Fed estaria finalmente tomando um controle mais firme da situação. Infelizmente na conferência de imprensa depois da decisão, Powell pareceu acuado e envergonhado (inclusive sobre o vazamento ao WSJ), qualificando a decisão e já colocando um viés de baixa nas expectativas para a decisão da próxima a reunião. Essa falta de convicção levou a uma reversão rápida dos mercados, com um preocupante abertura da curva de juros longo, sinal claro de que a tentativa de ficar “ahead of the curve” (à frente da curva) nesta ocasião falhou.
No caso do nosso Banco Central, o aumento da Selic em 0,5pp para 13,25% ocorreu como esperado, e contrariando a sinalização prévia, houve a indicação de continuidade do ciclo de aperto na próxima reunião, com um aumento entre 0,25% e 0,5%.
O fato de que a alta foi menor que a do Fed (parte do mercado começou apostar em uma alta de pelo menos 0,75% para manter o diferencial de juros contra os EUA) e a inclusão precoce de projeções de inflação para o final de 2024(com a inflação projetada abaixo da meta, 2,7% contra 3%) – desagradou parte do mercado mais preocupado com a trajetória da inflação, especialmente com as recentes notícias no campo fiscal/tributário.
Assim, podemos dizer que um tema comum para os três bancos centrais é uma perigosa falta de atenção exclusiva para a questão da inflação. As três instituições, enfrentando o maior surto de inflação global nos últimos 40 anos, ainda não conseguem encarnar a atitude de Paul Volcker de fazer o que for necessário, a qualquer custo, para debelar a inflação.
Acho que há muita verdade nessa afirmação, mas ela merece um reparo no caso do Banco Central. Diferentemente do ECB, que ainda prática taxas de juros nominais negativas, ou o Fed, que ainda pratica uma taxa abaixo das estimativas do nível neutro, o Banco Central começou a subir a taxa Selic há mais de um ano, e o atual nível de juros já está bem acima das estimativas do nosso nível neutro. Podemos, frente às incertezas do ambiente global, argumentar que a Selic terá que subir ainda mais do que está sendo indicado pelo Copom para a próxima reunião, mas não há como negar que de fato estamos no final do nosso ciclo.
Se haverá ou não a necessidade de subir a Selic além do sinalizado vai depender principalmente do Fed. Powell está politicamente inibido de admitir a obviedade que somente um processo recessivo vai colocar a inflação de volta perto da meta de 2% (algo acima disso já seria bom demais). As afirmações de que um “pouso suave” é possível são cada vez menos críveis, como foram os argumentos que o atual surto inflacionário era “transitório”. (Incrivelmente, boa parte das casas de Wall Street ainda defendem o pouso suave como sendo o cenário mais provável). Isso dito, eu acredito que Powell já entendeu que isso terá que ser feito. Espero que a péssima reação do mercado a está última reunião dê a Powell a coragem de realmente encarnar a atitude do seu ídolo, Paul Volcker.